A EVOLUÇÃO DO ANTIGOMOBILISMO NO BRASIL E O SURGIMENTO DA ISETTA BRASILEIRA.

31/07/2013 15:37

 

No começo da década de 50, existiam apenas 170 mil automóveis particulares em todo o Brasil, destinados a uma classe social que podia pagar e importar. Desfilavam na Terra Brasilis os famosos “banheirões”, que ocupavam espaço no trânsito e eram difíceis de manobrar, fazer baliza, dentre eles o Cadilac  rabo-de-peixe, de playboys e milionários. Para os jovens, o máximo era o Thunderbird, o Corvette ou o Bel-Air conversível. Naqueles tempos, desfilar a bordo de um conversível era  “o máximo do bacanismo”.

 

Os veículos “mais modestos” , digamos assim, eram de marcas como Mercury, Chevrolet, Dodge, Pontiac , Studebaker, De-Soto, Kaiser, Hudson, Ford, Chrysler, Plymouth, Buick , Oldsmobile, Packard, Lincoln. O Chevrolet Impala era um sucesso entre os homens com mais de trinta anos, e alguns fazendeiros ostentavam station wagons, cujas laterais eram confeccionadas em madeira. Já os táxis costumavam ser Chevrolet pretos, modelos 1938, resistentes e robustos, que rodavam na praça já há décadas, como também o Citroen, veículo longilíneo e preto que circulava entre nós.

 

Alguns modelos europeus como o Jaguar e o Mercedes-Benz ocupavam o mesmo pavimento.

 

Ainda não existia a cultura automobilística, e todos os referenciais chegavam pelo cinema americano e revistas. Automóveis eram distantes objetos do desejo e o "Americanismo" nos invadia de todos os lados com música, revistas em quadrinhos, coca-cola, chiclete, hot dog, e o hambúrguer, substituto do misto-quente.

 

Mas em meados da década de 1950, iniciava-se uma nova época na história da indústria brasileira! Estávamos avançando, momento de incentivo à produção interna que envolvessem aplicação de tecnologia em situação de restrições de produtos.

 

Havia franco direcionamento do governo nacional para o progresso da indústria, em vista da suspensão de negócios durante a segunda guerra mundial e das dificuldades em se encontrar matéria-prima. Demandava-se por atividade evolutiva e, nesta maré de entusiasmo, decolou o projeto da Isetta, da mente aguçada do engenheiro aeronáutico Ermenegildo Pretti e de seu assistente Pierluigi Raggi.

 

Os primeiros protóticos começaram a circular em 1952. Eram produzidos pela Iso Rivolta na cidade de Bresse, província de Milão. Mudou a razão social para Iso Automotoveicoli e  passou a dedicar-se à produção de veículos motorizados, e evoluiu consideravelmente.

 

Em 1953, a empresa lançou o Isetta, carro popular, veículo pequeno, de baixo custa (335 mil liras). Tinha 2,25 metros de comprimento por 1,40 de largura, com chassi tubular e carroceria de aço, pesando 330 quilos. O motor, de dois cilindros com apenas uma câmara de combustão (dois tempos, 236 cilindrada), desenvolvendo 9,5 HP. O consumo de combustível era reduzido, e fazia 30 km/l (trinta quilômetros por litro).

 

O primeiro protótico possuía duas rodas dianteiras e uma roda traseira, solução que se mostrou pouco estável, dando lugar a duas rodas posteriores. A bitola traseira correspondia a menos de metade da dianteira. A transmissão se por corrente dúplex, e, como as rodas motrizes eram próximas, dispensava-se o diferencial. Câmbio de quatro marchas à frente e uma a ré. A coluna de direção ficava entre os pedais de freio e de embreagem, e a alavanca de câmbio estava  à  esquerda , com as quatros marcha em posição inversa à usual. Essas disposições foram pensadas para aumentar o espaço reduzido da cabine e não prejudicar o acesso ao interior.

 

O veículo era de fácil manutenção e podia transitar mesmo nas piores estradas e ruas, em qualquer tempo. Ao ser apresentado no Salão do Auto de Turim, em abril de 1953, o Isetta fez sucesso. Curiosamente, ficou pouco tempo em produção na Itália.

 

A partir de uma revista italiana, que discorria sobre detalhada reportagem em torno do carrinho, Américo Emilio Romi e Chitti tiveram a brilhante idéia de trazer o modelo ao Brasil e aqui iniciar sua produção.

 

Havia um clima novo, aberto a experimentações, tentativas, aventuras e ousadias de sorte que trazer o veiculo para o Brasil possibilitava ver como o modelo era construído, peça a peça.

 

Seguiram para a Itália, negociaram contrato e verificaram as condições para a produção no Brasil. Investigaram, pesquisaram, analisaram o mercado para descobrir se havia automóvel assim, e se era possível encomendar ou convencer as pessoas a produzir, porque não se poderia criar um carro se não existisse quem fabricasse a carroceria e o chassi.

 

No Brasil, Carlos Chiti percorreu indústrias e buscou quem possuísse prensas de tamanho suficiente pera modelar o carrinho. Além disso, buscou empresas que poderiam fornecer as autopeças. Superadas todas estas meticulosas etapas, o Romi-Isetta entrou na vida nacional, despertou sensível curiosidade, não só por ser o primeiro carro inteiramente fabricado no Brasil, mas também porque trazia novidades de tamanho (míni), na porta, que se abria para frente, e a imensa facilidade de estacionar em qualquer pedacinho de chão.

 

Carros mais compactos eram uma idéia à época por questão da gasolina, do petróleo, e buscavam-se soluções alternativas. Aqui, a ideia de um automóvel de proporções reduzidas consubstanciava conceito totalmente diferente; “um avanço para aquele tempo“, dizia Chiti.

 

As restrições impostas à sua produção tornaram o Romi-Isetta um veículo inviável!. Estrangulado pela burocracia, porque o GEIA começava a fazer exigências em relação às portas e ao número de passageiros.

 

Uma das saídas era produzir esse carro localmente, uma espécie de evolução natural do Romi-Isetta, com duas portas e ver se era aceito. A porta normal, na frente, e uma lateral, do lado direito, para o acesso ao banco traseiro. Com as restrições legislativas impostas pelo GEIA, preço do Romi-Isetta, que era de U$700,00 (setecentos dólares), passou para U$1400,00 (Mil e quatrocentos dólares), o que o tornou inviável como carro popular.

 

Da mesma forma o projeto esmoreceu diante da economia nacional conduzida aos trancos e barrancos, e, embora houvesse consenso em torno do direito de licença, tal ajuste não foi suficiente e o programa sucumbiu diante dos elevados royalties.

 

Por corolário, o Romi-Isetta, o primeiro de todos, sem oxigênio para prosseguir, teve sua produção interrompida.

 

 

A PRIMEIRA MATRÍCULA

 

A primeira matrícula registrada no Livro-mestre da produção de veículos Romi-Isetta (da firma Máquinas Agrícolas Romi AS) foi de um automóvel cujo número de chassi era RIP 56001, fabricação TECN/C-121. Número de motor matrícula RIP 56001, cárter ISO-225. Cor creme (1952) vermelho (1951). Pneus com faixa branca. Nota fiscal 8647, sendo destinado à AS Industrial de Óleos Nordeste. Lançado no mercado o primeiro carro nacional de marca “Romi-Isetta“. Passo importante para a instalação de nossa indústria automobilística. O dia começaria com a caravana, que percorreria parte da capital paulista.

 

Hoje, a raridade encontra-se na garagem de muito poucos amantes do antigomobilismo.

 

Alguns vêm sendo preservados graças ao empenho de Mestres da mecânica como Genesio Mercante, Paulo Mercante, e Raphael Mercante, profissionais dedicados à causa, que não raro criam peças de substituição, promovem reformas, restaurações e reúnem admiradores no Brasil no exterior.

 

Ao nos depararmos com protótipos evolutivos de veículos, que consideram as versões que estarão andando nas ruas nos próximos 20 ou 30 anos, logo se percebe que a compactação trazida pelos precursores da Romi-Isetta efetivamente correspondiam a uma antecipação inigualável de como seria o futuro da humanidade e do deslocamento urbano.

 

Parabéns aos visionários!